Uma Entrevista com o Escritor e Ilustrador Jader Santini
Por Everton Cidade
Jader é um escritor de zines, HQs, prosa e poesia.
Capista importantíssimo da cena literária de São Leopoldo.
Admiro imensamente sua arte e também sua visão social do mundo.
É um prazer entrevistá-lo.
Jader Cardoso Santini é professor na rede pública municipal de São Leopoldo, RS. Natural de Porto Alegre. Possui um trabalho de ilustração digital e desenho que pode ser visto no perfil @jadersantiniartes. Já ilustrou livros como o Janelas Abertas de Luís de Araújo e Ocupação de Elson Cascata. Também escreve poesias e contos, já tendo participado de diferentes antologias. Publicou a história em quadrinhos Anima, volume 1, pela Beija Flor Editorial, e produz capas de livros para a PUB Editorial e outros autores. Além disso, publicou o zine O Oniromante, pela Glingy.
Confira a entrevista:
1. Jader, o que fez tu se apaixonar pela ilustração e pela escrita?
É difícil dizer. Lembro que sempre gostei de desenhar. Uma das primeiras lembranças é um autorretrato que fiz quando estava no Jardim (como era chamada a Educação Infantil na minha época), a professora adorou e isso me motivou a continuar desenhando. Mais tarde, acabei conhecendo os quadrinhos a partir da antiga coleção de um tio meu. Acredito que o primeiro que li foi Wolverine número 1 feito por Frank Miller ainda no formatinho da Abril. Me apaixonei e logo comecei a criar meus próprios personagens e histórias em quadrinhos. Assim, escrever e desenhar nunca estiveram distantes, embora eu visse a escrita como algo a serviço da ilustração, do desenho.
2. Qual o primeiro livro que te deixou boquiaberto?
Vou citar o “Porque não perguntaram a Evans” de Agatha Christie. Lembro que passei semanas tentando escrever uma história policial tão boa quanto, o que sabemos que é impossível. Logo me levou a uma espiral de livros da Agatha, um melhor do que o outro, da qual eu nunca mais saí. Um verdadeiro esquema de pirâmide. Mas o primeiro que chorei lendo foi “São Bernardo”, do Graciliano Ramos (o que fez com que eu ainda não tenha criado coragem para ler “Vidas Secas”). E um que fiquei impactado também, não posso deixar de citar, é “O Encontro Marcado” do Fernando Sabino. Citei esses por não lembrar qual deles foi o primeiro.
3. Qual o último livro que te deixou boquiaberto?
Com certeza foi “Ideias para adiar o fim do mundo” do Aílton Krenak. A forma como ele consegue tirar todo o teu tapete de segurança e de saber e te dar um tapa na cara para acordar pra realidade é fora de série. É um olhar de quem não quer essa nossa sociedade em sua forma completa. Alguém que é capaz de deixar nossa sociedade nua e exposta no meio da praça com três frases. É uma reviravolta na forma como enxergamos o mundo. Mas tem que estar disposto.
4. O que podem fazer os escritores de pequenas editoras para serem vistos e lidos?
É uma questão difícil. Hoje, nem os grandes escritores das grandes editoras estão sendo lidos. Na última pesquisa sobre os hábitos de leitura dos brasileiros, os livros mais vendidos são de autoajuda, de fé ou de pintar. Além disso, menos de 50% da população comprou um livro no último ano. As redes sociais e o hipnotismo das mídias digitais são grande parte das culpadas. Mas a elitização do livro e da cultura do livro também é. Comprar um livro hoje é caro, ele é quase uma peça de enfeite tamanha produção que é feita em sua edição. As bancas de jornais, onde vivia comprando meus gibis, estão desaparecendo. As grandes livrarias, em crise, ou fecharam ou viraram bazares e cafés para sobreviver. Acho que precisamos investir na cadeia produtiva do livro de forma a descentralizá-la. Levá-la às comunidades mais periféricas, seja por sarau ou por feiras do livro nas comunidades. Programas de aquisição de livros, como os que são feitos pela prefeitura de São Leopoldo, são exemplos do que se pode fazer quanto gestão governamental. Pois, é preciso formar leitores nesse país (aliás, as pessoas não sabem mais serem espectadores, plateias e apreciadores). Para nós, pequenos escritores e pequenas editoras, acredito que criar uma rede de produção e apoio é fundamental. Investir na ideia de valorização do artista do lado, do bairro, da comunidade, da cidade. Pensar e agir de forma coletiva, pois sozinhos só dificulta.
5. Por que a poesia é tão pouco lida?
Acredito que seja porque estamos em uma sociedade cada vez mais literal. Uma sociedade que valoriza a narrativa clara e objetiva, rápida e de fácil entendimento. Tudo o que a poesia não é. A poesia é a beleza da forma e a habilidade de se dizer diversas coisas com as mesmas palavras. A poesia possibilita que cada leitor faça a sua compreensão. Ela não consegue ser um produto facilmente vendido na escala industrial capitalista. Ela é tão íntima, de experiência tão pessoal que não consegue ser massificada. Não que eu ache que não deveria ser, quem me dera se fosse. Mas, infelizmente, caminhamos ao contrário da poesia. Hoje as pessoas têm dificuldade de entender ironia e outras figuras de linguagem. O texto tem que ter o número de caracteres de um twitte ou menos. Tem que dizer aquilo que é dito e pronto. As pessoas têm pressa para tudo e pressa para ler. Até no whats já dá para acelerar o áudio. Não podem ficar remoendo o que a poesia quis dizer. Parece não haver tempo para isso até o próximo vídeo do TikTok. É difícil para a poesia.
6. Desenhos animados foram importantes na tua formação artística?
Foram. Fui e sou um nerd de carteirinha. Vivi a febre dos Cavaleiros do Zodíaco (comprei o meu boneco de escorpião nos velhos camelôs do centro de Porto Alegre. Quando ainda ficavam perto do Mercado Público), amava os Thundercats e outros. Mas os quadrinhos foram mais importantes. Os X-Men do Chris Claremont, o Sandman do Neil Gaiman (eu sei que ele foi cancelado, mas fazer o que?), Os Invisíveis do Grant Morrison, V de Vingança do Alan Moore, Lobo Solitário do Kazuo Koike (cuja primeira edição, em preto e branco, minha irmã mais nova pintou com lápis de cor achando que faltava pintar, algo que me deixou muito feliz) e muitos outros. Foram a minha escola tanto na escrita quanto no desenho. Não posso esquecer de Scott MacCloud cujo livro, Desvendando os quadrinhos, foi minha primeira experiência de aprender de fato a fazer quadrinhos e conheci na biblioteca da escola que estudava. Inclusive o ganhei da bibliotecária quando me formei, já que era o único que o tirava emprestado.
7. Tem conta de quantas coletâneas participou como escritor?
Entre livros impressos e ebooks, tenho entorno de 30 coletâneas mais ou menos. Ainda deve sair mais duas, eu espero, esse ano. Também, mais duas participações com quadrinhos, se tudo der certo. Tudo começou em 2021 quando comecei a notar os editais de publicação coletiva. Fui enviando e recebi vários nãos, até que comecei a receber alguns sins. Algumas dessas publicações são participações gratuitas, outras pagamos uma cota após o texto aprovado. O que acho bom pois é mais barato do que se eu fosse publicar sozinho.
8. Duas influências, uma de escrita outra de ilustração.
Vou trapacear e dar duas de cada. De escrita, com certeza o inglês Alan Moore e o Eduardo Galeano (poderia citar o Machado mas soaria muito piegas). Já no desenho, adoro Moebius e o brasileiro Shiko. Trouxe duas de cada para não ficar falando só de europeu (mas não poderia excluir se não estaria mentindo).
9. Qual o prazer e a maior responsabilidade ao fazer capas de livros para outros?
Fazer capas é um desafio muito bacana. Isso porque a gente acaba entrando em contato com histórias e narrativas que jamais pensaria encontrar. Eu gosto de compreender não só o texto, mas a forma como aquele texto está presente no olhar do autor. Minha esperança é sempre aliar o que ele imagina com a minha própria forma de ver a narrativa e o que ela significa. É uma responsabilidade enorme porque a capa é o primeiro contato do livro com o leitor e ela conta coisas que precisam envolver quem a vê. Gosto de deixar meu estilo bem claro, de modo que, quem se propõe a fazer uma parceria comigo, o faz pelo que o trabalho carrega. Em tempos de IA, a capa que desenvolvo se pensa ser única e diferente, fugindo, de um certo modo, de algo mais superficial facilmente reproduzível. Ao mesmo tempo em que traz elementos da narrativa e busca convencer o leitor que aquele livro tem algo para lhe acrescentar e que vale a pena.
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