Prêmio Carioca de Contos 2025: Chance Imperdível para Novos Autores
Por Everton Cidade
Júlio Alves é poeta de alma e corpo.
Poeta dos detalhes líricos e mestre das divertidas semânticas, ele é da estirpe de Leminski e Piva.
Tenho dois de seus livros: Concerto e De Ex-Tragos e Palavra Enguiçou (me falta Coisas que Escrevi e Você Diria Diferente), e os considero livros para reler. Cada leitura nos traz uma surpresa.
"Assim de palavra
Em palavra
Deixada ao chão
Fico nú
Peço e santifico
Vida"
— Júlio Alves
Confira a entrevista especial concedida para o blog.
Duas Caixas de Dinamite, teu livro novo, fala do quê?
Poesia em verso quebrado, um livro mais biográfico que os anteriores, palavras feitas e tramadas pelo experimento chamado vida, forjado com leitura e observação do espaço e tempo onde existo. Fala de vida vivida, inventada e da leitura da vida de outros viventes que aqui deixaram rastros, pegadas feitas e tramadas de palavras. Por fim, um escrito existe apenas na troca do “escrevivente” com o leitor disposto a entrar neste jogo. Quando acontece a troca, é estabelecido um fluxo. Feito o propósito, sendo simples: o livro mais permissivo de exibição do “Eu imaginário” que me foi permitido.
Duas Caixas está em lançamento. Ficas ansioso com os eventos de lançamento?
Sempre existe o desafio de se jogar no olho do furacão da exposição, de emitir opinião. Todavia, evitar a dominação de se omitir as impressões sob o observado do tempo em que divides com outros tão humanos quanto eu, feitos de contradições e atos. Isso me deixa mais confortado com os versos que estão impressos. Cada frase é uma entrega desses olhares, onde minha sensibilidade ou falta dela se manifesta. Existe a vontade de ver o caminho que o livro vai percorrer entre os leitores, pois agora não possuo qualquer domínio sobre as versões e interpretações que o leitor irá construir.
Qual a diferença entre teus livros já lançados?
Até onde sei de mim, nunca permaneci muito tempo no mesmo lugar. Por tanto tempo que creia ser o lugar ideal, o lugar onde caibo não me comporta por muito, pois mudar a forma de compreender com o agora é um movimento contínuo, trocar com o mundo as voltas que experimentamos. Resumindo, todos os escritos impressos em livros pertencem a uma cronologia não retilínea; são um grande apanhado do filtro da linguagem poética, deste rastilho do ofício de escrever. Existe inspiração? Até há. Mas o que é selecionado vem da labuta diária de burilar versos e bolinar a prosa. Aí está a poesia que verto; ora versa. Bater na pedra dura e criar calos para dizer coisas doces.
Tu já teve banda de rock. A música influenciou/influencia tua poesia de alguma forma?
Usando do discurso de autoridade, cito referências; como diria Friedrich Nietzsche: “sem a música, a vida seria um erro”. Ou ainda: ao olhar o abismo, ele também te observa. Só acredito num deus que saiba dançar.
A música tem uma força além da palavra. Sinto a vibração da coisa não dita; som soando, outra vibração — uma alavanca que catapulta e amplia a percepção.
Nesta viagem do sentido sonoro e vibracional, foi forjada minha escrita. Pois esta linha fina entre o sentido da palavra e o som — melhor: o som só ou a palavra completa — tem vezes que é sublime ouvir coisas basilares. Vários clássicos: MPB, populares, rocks e bregas — ultra modernos e ultrapassados revistados com roupagem atual. Atualmente ouço mais do passado. Quando os ouço sob esta visão atual, reconheço a mudança mas me identifico com o que vivi.
Na escrita, este exercício diário permeia os versos por certo. Pois os sons ecoam na caixa craniana.
Fonte de todas as verve. As palavras trazem o som em si; compor palavras sem a música é meu desafio diário. Por vezes até imagino algo que escrevi envolto em música; agora nesta fase em que me encontro, deixo aos amigos fazerem música com mais precisão e técnica.
Como tu preparas teus livros? Qual o processo de criação?
Passo na peneira. Do grosso deixo para depois; apuro do médio, onde nem lá nem cá. Do pó junto esses restos de versos costurados; assim é feito este dito processo de criação.
Claro que visito aquele velho baú de versos acumulados dos quatro livros já editados com meus escritos; em todos sempre acabo voltando aos arquivos de material já feito ao longo dos anos — não só textos feitos no computador como também dos muitos blocos e folhas soltas; guardanapos de restaurante/lancheria até papel higiênico com escritos manuais feitos do duelo da caligrafia com o sentido que as palavras vão carregar.
O fundamental é esclarecer que não é um processo mediúnico nem envolto em magia ou na dita fonte de inspiração. Existe sim um processo diário de exercício para desafiar a folha branca e imprimir nela observações e leituras nesta mistura de teoria-prática.
A poesia explode preconceitos?
Tem essa capacidade também; não só exclusivamente — por algumas vezes o texto feito funciona apenas como objeto da poesia em si. Contudo, ela tem igualmente a função de quebrar paradigmas e falsas verdades incrustadas nas bases da sociedade; é um grito para parar a caretice e alavancar o desbunde. Fazer o leitor sair do lugar comum e alçar voo creio ser algo importante — uma das tarefas de quem produz cultura: lançar um olhar crítico ao circo armado em torno das pessoas.
Revolucione-se! Enfim, nisso aposto minhas palavras.
Dê algumas dicas de poetas para lermos.
Rapaz, está aí a pergunta mais instigante! Difícil e tão fácil ao mesmo tempo. Já que há tantos poetas que ainda não li e sei da importância deles ou ainda aqueles que li tão pouco da imensa obra — fica uma tarefa bruta! Porém vamos dar a cara ao tapa.
Iniciando pelo polaco louco Paulo Leminski, já engato com Alice Ruiz, Ricardo Silvestrin, Armindo Trevisan, Ana Cristina César, Hilda Hilst, Telma Scherer, Clarice Lispector, Noélia Ribeiro, Lilian Ramos, Oliveira Silveira, Manoel Bandeira, Manoel de Barros, Caio Fernando Abreu, Mário Benedetti, Júlio Cortázar, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Glauco Mattoso, Roberto Piva... A Geração Mimeógrafo: Cacaso, Chacal, Waly Salomão, Torquato Neto... A Geração Beatnik... O velho safado Bukowski... Enfim! Vários dos meus amigos com os quais construímos versos e fazeres poéticos — tem também o dileto amigo Everton Luiz Cidade a quem deixo meu afetuoso abraço.
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